Saudação

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A vida vinda de trem

Por George W B Cavalcanti


Ao longe, cruzando o ‘Vale do Mundaú ora verdejante ora esturricado por um sol abrasador, via-se com regularidade seus cogumelos de negra fuligem suceder-se em cascata densa e pesada –; por obra e graça da física permanecendo por um tempo suspensos no ar. E, tangidos lentamente pelo vento suavemente iam esvair-se na amplidão do cenário. Impactante espetáculo que, temporariamente, encardia o azul celeste e aditavam tons mais escuros às nuvens invernosas que timidamente se achegavam.

À medida que se aproximava fazia tremer o chão que, como um imenso tambor ressoava o seu barulho surdo e irrefreável; como se fora um aguardado pequeno terremoto cotidiano, quase sempre pontual. E que, ao estacionar na plataforma da estação local de embarque e desembarque de passageiros e cargas, sua presença tinha para toda a comunidade o sentido e o efeito similar ao toque de um imenso carrilhão –; que a todos conclamava para o progresso e para a modernidade.

Senha divisória de etapas no cotidiano e, das lides, compromissos e decisões individuais ou grupais. Definia se ainda havia tempo ou se já passara da hora, se ainda estava por começar algo, fazer intervalo ou de lamentar o que se perdeu. Porque em função dele se podia chegar, partir ou – tardiamente – e, com a visão do seu último vagão sumindo ao longe na curva dos trilhos –; lamentar, chorar, sentir saudades ou tentar uma odisséia qualquer para se chegar a contento ao seu destino.

Assim era o nosso querido e saudoso ‘trem de ferro’, das tantas memórias da minha infância. Instituição de transporte que à época parecia ser portentosa e definitiva, mediante aquela locomotiva algo majestosa e solene que aguardávamos com ansiedade e um renovado ‘frisson’ de expectativas. Quando o seu comboio arrebatava os espaços e as atenções de antanho após chegar célere e determinado e de – impávido e viril –, adentrar a intimidade da topografia –; pedia ‘licença’ somente ao Chefe da Estação.

Era ao mesmo tempo um aríete de vencer barreiras e resistências e uma ígnea serpente que, com os seus meneios seguia mundo a fora a dinamizar todos os ‘chacras’ sociais. Até porque o seu resfolegar cadenciado ecoando nos paredões das serranias quebrava todos os marasmos criando êxtases e delírios. Provocava sempre grande alvoroço; corações acelerados – quase a “pular pela boca” –, em quem esperava, chegava ou partia. E, era-lhes comum a ocorrência de tonturas e enjôos no devaneio das primeiras viagens.

O menino atento gostava de observar a pesada arquitetura que emoldurava as cenas na plataforma da estação ferroviária. Fervilhante de pessoas aos encontrões, crianças assustadas, carregadores de frete e, de vendedores de guloseimas regionais e frutas sazonais –; todos em frenética procissão junto à composição de passageiros. Contudo, a minha especial satisfação era poder sentir o ‘cheirinho’ dos jornais e revistas novas encomendados ao jornaleiro do trem por meu pai –; e, que eu folheava avidamente enquanto saltitante os levava para casa. Era um incansável ritual que, pontificando aquelas tardes de domingo, aditava ao pequeno burgo ‘pitadas’ dos exóticos temperos e costumes das metrópoles.


União dos Palmares - AL, 14 de novembro de 2008.

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